Hoje deixei o carro com o marido e fui trabalhar. Dei aula de manhã e à tarde participei de um conselho de classe. Me deprime ver a educação carioca despencar vertiginosamente, empurrada por um sistema farsante e cruel, principalmente no segundo segmento, com a história do "conceito global", que empurra para frente os alunos mais incompetentes e desleixados... No primeiro segmento o professor não fica tão limitado. Enfim... Pensei em tudo o que está acontecendo com o Rio de Janeiro. Pensei no lixo nas ruas, na população cada vez mais maltratada e também muito mal educada. Pensei nos ônibus sem ar-condicionado, no aumento das passagens, no metrô lotado. Nas crianças no sinal, nos viciados jogados nas ruas... Na volta, quando estava no ônibus, fiz uma poesia. É assim que acontece comigo. Quando estou sem condições de escrever, me vem à mente versos, rimas e tudo o que eu não tenho como anotar na hora... Depois esqueço. Mas consegui resgatar alguma coisa quando cheguei em casa. Faz algum tempo que não escrevo poesias e as últimas não divulguei. Essas são atemporais, mas a de hoje é um retrato atual da cidade, ou pelo menos como a vejo agora. Escrevi. De certa forma, isso me alivia.
RIO DE JANEIRO, CIDADE MISTERIOSA
Nesta cidade que já foi maravilhosa
Mas que agora está muito misteriosa
Somem Amarildos, somem vigas, somem verbas
Pra melhorar nossa saúde e educação
Nos hospitais o povo morre sem socorro
Mas também morre se a polícia sobe o morro
Se for achado por uma bala perdida
O cidadão pode perder a própria vida
E as chances disso acontecer não são pequenas
Seja em Vaz Lobo, na Tijuca ou Ipanema
A educação aqui nunca foi tão ruim
Nunca se viu tanto estudante analfabeto
A juventude da cidade percebeu
Que não precisa estudar pra ir em frente
Só não percebe que os políticos do Rio
Os querem ignorantes, pobres, indigentes
Enquanto isso, no subúrbio e nas favelas,
Nos alimentam o Big Brother e as novelas.
Boas desculpas, olimpíadas e copa
Superfaturamentos, rios de dinheiro
O bolo cresce, eu também quero um pedaço
Mas como, se tudo o que é nosso vai pro espaço?
Mais um mistério do meu Rio de Janeiro
As ruas sujas, as crianças no sinal
Onde é que está aquele velho cartão-postal?
Aquele orgulho de garota carioca
Faz tempo que da minha vida já saiu
O tempo passa e não sei se é da idade
Mas já não sinto prazer nesta cidade
A cada dia há o desejo de ir embora
Pra muito longe desse Rio de Janeiro
Assim como se foi daqui todo o glamour
Já que a cidade está entregue a urubus
O último que sair daqui, que apague a luz.
(Márcia Cristina Neves Reis)
